
Composability é a capacidade de sistemas, protocolos ou aplicações em blockchain se conectarem, combinarem e serem reutilizados como blocos de LEGO. No universo das criptomoedas, essa propriedade permite que diferentes aplicações descentralizadas (DApps), smart contracts e protocolos se integrem de maneira fluida, possibilitando que desenvolvedores criem novas funcionalidades a partir de componentes já existentes, sem precisar reescrever código do zero. Composability é o motor central do avanço acelerado das finanças descentralizadas (DeFi), pois reduz barreiras ao desenvolvimento, acelera ciclos de inovação e abre possibilidades inéditas para combinações de produtos financeiros. Essa característica não só amplia a eficiência e flexibilidade dos ecossistemas blockchain, como também originou o conceito de "money LEGOs", onde instrumentos e serviços financeiros sofisticados são criados pela união de diferentes protocolos.
O conceito de composability nasceu da filosofia de design modular da engenharia de software, inspirada na abordagem do sistema operacional Unix dos anos 1960, que defendia a criação de ferramentas pequenas e especializadas, capazes de serem combinadas. No universo blockchain, esse conceito ganhou vida com o lançamento da plataforma de smart contracts da Ethereum. Após a mainnet da Ethereum entrar em operação em 2015, desenvolvedores perceberam que smart contracts podiam se chamar e interagir entre si, algo que se consolidou com o padrão ERC-20 entre 2017 e 2018. O verdadeiro destaque da composability veio no período chamado DeFi Summer, de 2018 a 2020, quando protocolos como Compound, Uniswap e Aave mostraram como a combinação de diferentes protocolos podia criar novos produtos financeiros.
A evolução da composability passou por três fases marcantes. A primeira foi o período de construção da infraestrutura, em que a Ethereum Virtual Machine (EVM) forneceu um ambiente de execução unificado, permitindo que diferentes smart contracts rodassem sobre o mesmo estado. A segunda fase foi a de padronização, quando padrões ERC (como ERC-20, ERC-721) permitiram que tokens e ativos fossem reconhecidos e processados por várias aplicações. A terceira fase foi a de composição entre protocolos, em que protocolos de liquidez, empréstimos e derivativos passaram a se integrar profundamente, criando ecossistemas financeiros complexos. Esse caminho evolutivo reflete a transição natural da viabilidade técnica para padrões de mercado e, depois, para a prosperidade do ecossistema.
A composability depende de mecanismos técnicos fundamentais. O primeiro é o design de interfaces públicas dos smart contracts, em que desenvolvedores estruturam funções como interfaces externas seguindo padrões específicos. Quando um smart contract precisa acionar funções de outro contrato, ele faz isso pelo endereço do contrato e pelo seletor da função, com a EVM roteando essas chamadas e garantindo a atomicidade da execução. O segundo mecanismo é o compartilhamento de estado, onde todos os smart contracts compartilham o mesmo estado da blockchain, permitindo que um contrato leia variáveis de outro e viabilizando a interoperabilidade de dados. O terceiro é a padronização de tokens, já que a implementação de interfaces unificadas (como transfer, approve e transferFrom do ERC-20) permite que diferentes aplicações manipulem diversos tokens de forma padronizada.
Na prática, a composability cria camadas de protocolos interligados. A camada base inclui a blockchain e padrões de tokens; a intermediária abrange os principais protocolos DeFi, como exchanges descentralizadas (DEXs), protocolos de empréstimos e stablecoins; a camada de aplicação reúne agregadores e interfaces voltadas ao usuário, que combinam protocolos subjacentes em produtos acessíveis. Por exemplo, um protocolo de agregação de rendimento pode, ao mesmo tempo, trocar tokens na Uniswap, depositar ativos na Compound para gerar juros e usar flash loans da Aave para arbitragem, tudo em uma única transação. Essa capacidade de combinação se apoia no modelo de execução síncrona e na garantia de atomicidade da Ethereum: ou todas as operações são bem-sucedidas, ou tudo é revertido, garantindo segurança em transações complexas.
Apesar de impulsionar a inovação, a composability traz riscos sistêmicos. O principal é o "risco de composability" ou "risco de dependência": quando múltiplos protocolos dependem uns dos outros, falhas ou vulnerabilidades em qualquer componente podem comprometer todo o sistema. O caso do Yearn Finance em 2021 ilustra isso, quando o protocolo sofreu perdas devido à manipulação do oráculo de preços do qual dependia. Além disso, combinações complexas de protocolos ampliam a superfície de ataque dos smart contracts, permitindo que hackers explorem falhas nas interações entre protocolos — ataques de flash loans são exemplos clássicos de como a composability pode ser usada para manipular múltiplos protocolos numa só transação.
Entre os desafios técnicos, destacam-se as dificuldades para implementar composability entre blockchains (cross-chain). Blockchains diferentes usam máquinas virtuais, consensos e modelos de estado distintos; alcançar integração transparente exige tecnologias de bridge avançadas e protocolos de comunicação entre cadeias, que frequentemente trazem riscos e novas suposições de confiança. Outro desafio é a escalabilidade, pois combinar vários protocolos na mesma rede pode aumentar a congestão e elevar as taxas de gas, prejudicando a experiência do usuário. No aspecto regulatório, a composability dificulta o rastreamento do fluxo de fundos, tornando auditorias de compliance mais complexas, especialmente em AML (prevenção à lavagem de dinheiro) e KYC (identificação do cliente), pois reguladores têm dificuldade para rastrear transações feitas por múltiplas combinações de protocolos. Há ainda barreiras de compreensão para o usuário: a complexidade das combinações pode dificultar o entendimento dos riscos, levando pessoas a assumirem exposições sem plena consciência.
A composability é a base da inovação em blockchain, proporcionando aos ecossistemas descentralizados flexibilidade e potencial inovador sem precedentes. Ao permitir que protocolos se combinem como módulos, a composability reduziu custos de desenvolvimento, acelerou a iteração de produtos e viabilizou a criação de produtos financeiros sofisticados, que dificilmente seriam possíveis nas finanças tradicionais. Entretanto, essa característica também traz riscos sistêmicos, desafios de segurança e entraves regulatórios. O futuro da composability passa por aprimorar a interoperabilidade cross-chain, criar padrões de segurança e mecanismos mais claros de divulgação de riscos. Para o setor de criptomoedas, entender e utilizar corretamente a composability, ao lado de estruturas robustas de gestão de riscos, será essencial para inovação sustentável e adoção em larga escala. Só com maturidade tecnológica, padronização sólida e clareza regulatória a composability poderá liberar todo seu potencial transformador para a infraestrutura financeira.
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