Lição 1

Porque é que o Bitcoin necessita de soluções Layer-2

Este módulo aborda as limitações técnicas da camada base do Bitcoin, incluindo a baixa capacidade de transação, elevada latência, e ausência de programabilidade, e apresenta a abordagem Layer-2 como solução para escalar o Bitcoin sem necessidade de modificar o protocolo fundamental do Bitcoin. Apresenta os principais modelos de design e tipos de Layer-2, como canais de pagamento, sidechains, rollups e BitVM.

Limites da Camada 1 do Bitcoin

A rede Bitcoin realiza transações através de um mecanismo de consenso descentralizado e global. A cada 10 minutos, aproximadamente, os mineradores reúnem as transações pendentes num bloco e adicionam-no à blockchain. Este intervalo fixo, conjugado com um limite de tamanho do bloco entre 1 e 4 MB, faz com que a capacidade do Bitcoin chegue a cerca de 7 transações por segundo — muito inferior ao necessário para uma infraestrutura financeira de escala global.

Estas restrições são intencionais. O Bitcoin foi projetado para favorecer a descentralização e a segurança em detrimento da velocidade e flexibilidade. A sua linguagem de scripting foi propositadamente concebida para não ser Turing-completa, minimizando vulnerabilidades e garantindo um comportamento previsível e auditável. No entanto, essa decisão limita a programabilidade e restringe as capacidades da rede para suportar, de forma nativa, lógicas mais complexas ou sistemas de maior rendimento.

Assim, a Camada 1 do Bitcoin sofre de latências elevadas e congestionamento nos períodos de maior procura. Quando o volume de transações pendentes excede a capacidade dos blocos, os utilizadores competem entre si, pagando taxas mais altas para obter confirmações rápidas. Esta realidade foi especialmente clara em momentos-chave, como o mercado altista de 2017, no fenómeno dos Ordinals em 2023 e nos picos de procura induzidos por ETFs em 2025, quando as comissões chegaram a atingir centenas de satoshis por virtual byte. Para pagamentos de baixo valor ou rotina — remessas, microtransações ou compras diárias —, esta estrutura de taxas torna frequentemente o Bitcoin pouco prático.

O mercado de taxas é essencial para motivar os mineradores e garantir a segurança do sistema a longo prazo, mas constitui também um entrave à adoção massiva. A Camada 1 do Bitcoin preserva um nível de segurança e descentralização elevado, mas está estruturalmente limitada em escalabilidade e programabilidade. Estas limitações fomentaram o desenvolvimento de soluções de Camada 2 que procuram viabilizar transações mais rápidas, económicas e flexíveis.

Padrões de design da Camada 2 em arquitetura blockchain

As soluções de Camada 2 consistem em protocolos que funcionam por cima de uma camada base como o Bitcoin. O seu propósito é aliviar a cadeia principal do processamento de transações, mantendo as garantias de liquidação do Bitcoin. Estes sistemas agrupam, comprimem ou abstraem os dados das transações, exigindo apenas interações mínimas com a camada base.

De forma geral, os padrões de design da Camada 2 em blockchain enquadram-se em diferentes modelos. Entre eles, destacam-se os canais de pagamento, que estabelecem canais bidirecionais entre utilizadores, possibilitando múltiplas transações sem recorrer logo à cadeia base. Outro padrão relevante são as sidechains, blockchains independentes que operam em paralelo à principal e utilizam mecanismos de “peg-in” e “peg-out” para transferências de ativos.

Os rollups constituem uma terceira categoria, ao agregar múltiplas transações fora de cadeia e submeter uma única prova comprimida ou lote de dados à camada base. Conforme o método de validação das transações, os rollups classificam-se como otimistas ou de conhecimento zero. Embora este modelo seja nativo do Ethereum, começa agora a ser adaptado ao ecossistema Bitcoin graças a inovações recentes.

Um outro modelo, de carácter federado, reparte a gestão dos ativos e do processamento das transações por um grupo de entidades de confiança. Estes sistemas podem assumir a forma de eCash Chaumian ou estruturas UTXO agregadas. Permitem anonimato e custódia simplificada, embora dependam de um grupo de assinantes ou guardiões.

Mais recentemente, pesquisas no seio do Bitcoin têm apresentado o BitVM, um método que permite a verificação de cálculos arbitrários sobre Bitcoin recorrendo a lógica de desafio-resposta. Embora ainda experimental, o BitVM abre caminho à execução generalizada na Camada 2 do Bitcoin.

Cada um destes modelos responde a necessidades distintas: alguns melhoram a escalabilidade, outros reforçam a privacidade ou a programabilidade. O denominador comum é que usam o Bitcoin como camada final de liquidação, enquanto a execução da lógica ocorre fora da cadeia principal.

Compromissos entre segurança, descentralização e escalabilidade

Qualquer solução de Camada 2 exige um equilíbrio criterioso entre três pilares: segurança, descentralização e escalabilidade. O chamado “trilema da escalabilidade” dita que a otimização de duas dessas propriedades implica inevitavelmente concessões na terceira.

A camada base do Bitcoin privilegia a segurança e a descentralização, sacrificando a capacidade de processamento. Já as Camadas 2 procuram recuperar a escalabilidade com o mínimo de concessões possíveis em relação às outras duas vertentes. Contudo, é impossível evitar completamente estes compromissos.

Canais de pagamento como a Lightning Network mantêm o modelo de segurança do Bitcoin, mas enfrentam desafios ao nível da descentralização e da eficiência do encaminhamento. O financiamento dos canais exige capital na cadeia principal e os pagamentos limitam-se à rede de pares conectados. A liquidez pode ser desigual e os utilizadores móveis deparam-se, por vezes, com falhas de fiabilidade. Além disso, este modelo assenta em mecanismos de vigilância (“watchtowers”) ou monitorização ativa para evitar fraudes em caso de litígio.

Sistemas federados, como o Fedimint, sacrificam parte da descentralização em nome da privacidade e da facilidade de adesão. Os guardiões podem censurar ou gerir mal os fundos, ainda que os protocolos tentem reduzir esse risco através de custódia multipartidária e seleção comunitária. Os utilizadores precisam confiar que o quórum dos membros da federação permanece íntegro.

Sidechains como Liquid ou Rootstock oferecem maior escalabilidade e programabilidade, mas transferem a confiança para um conjunto de validadores independente. Não gozam da segurança da prova de trabalho do Bitcoin. Os ativos transferidos para a sidechain ficam bloqueados por federação ou smart contract e a salvaguarda dos fundos depende do consenso interno da sidechain.

Os rollups reforçam a integridade dos dados e a escalabilidade, sobretudo com as provas de conhecimento zero. Contudo, em Bitcoin, sem suporte nativo para rollups, os desenvolvedores enfrentam obstáculos adicionais. Projetos como a Citrea e a Botanix experimentam rollups recorrendo ao Taproot e a soft forks recentes, mas a falta de flexibilidade nos opcodes dificulta a sua implementação.

O BitVM, embora com potencial, implica novos modelos de confiança e incentivo, que permanecem em investigação. Permite a execução de lógica arbitrária sem alterações às regras de consenso do Bitcoin, mas à custa de uma resolução de conflitos complexa e mais latente.

Cada decisão técnica exige uma análise minuciosa destes três compromissos. Algumas soluções privilegiam rapidez e custos reduzidos; outras optam pela resistência à censura ou pela maior programabilidade. Cabe a cada utilizador e programador avaliar quais os trade-offs aceitáveis para o seu caso de utilização.

Tipos de Camada 2 do Bitcoin

O ecossistema de Camada 2 do Bitcoin registou um grande desenvolvimento nos últimos anos. Da simplicidade dos primeiros canais de pagamento evoluiu-se para um conjunto diversificado de ferramentas de escalabilidade e extensibilidade, com cada solução dirigida a um perfil de utilizador ou aplicação diferente.

A Lightning Network é atualmente a Camada 2 mais implementada no universo Bitcoin. Permite pagamentos instantâneos e de baixo custo, assentes numa rede de canais bidirecionais. Após um canal estar aberto, os utilizadores podem encaminhar pagamentos por várias ligações. É especialmente indicada para transações frequentes e de baixo valor, como gorjetas, microcompras e remessas. A Lightning Network é não custodial e minimiza a necessidade de confiança, mas o seu modelo de liquidez apresenta alguma complexidade, sobretudo para novos utilizadores e empresas.

Sistemas federados como Fedimint e Ark centram-se na privacidade e simplicidade. O Fedimint assenta num modelo Chaumian eCash: os utilizadores depositam BTC junto de um grupo de guardiões que emitem tokens anonimizados, posteriormente gastos em privacidade e resgatáveis em BTC on-chain ou pagamentos Lightning Network. O Ark, de design mais recente, permite pagamentos anónimos num único passo, recorrendo a um anfitrião que agrega e transmite as transações de diversos utilizadores. Ambos os modelos potenciam a privacidade, mas pressupõem alguma confiança custodial ou coordenação.

As sidechains expandem as funcionalidades do Bitcoin ao operar cadeias paralelas com regras e ambientes de execução próprios. A Liquid, desenvolvida pela Blockstream, é uma sidechain federada para transferências rápidas e confidenciais de ativos entre bolsas. A Rootstock introduz uma máquina virtual compatível com Ethereum no universo Bitcoin, permitindo contratos inteligentes e aplicações descentralizadas. Estas soluções viabilizam casos de uso financeiro mais avançados, mas exigem confiança nos mecanismos de peg e no conjunto de validadores.

Os rollups começam a surgir no ecossistema do Bitcoin. A Citrea está a implementar um rollup de conhecimento zero que utiliza o Bitcoin para liquidação, com execução de contratos fora da cadeia. A Botanix desenvolve um rollup compatível com a Máquina Virtual Ethereum (EVM) que ancora os dados das transações aos blocos do Bitcoin. Estes projetos pretendem trazer os ganhos de escalabilidade do Ethereum ao Bitcoin, enfrentando, porém, desafios técnicos próprios devido à natureza conservadora da linguagem de scripting do Bitcoin.

O BitVM representa uma nova aposta para a Camada 2 do Bitcoin. Proposto em 2023, permite a verificação de cálculos generalistas através de um sistema interativo de provas de contestação. Ao viabilizar lógica Turing-completa com desafios sucessivos, o BitVM poderá suportar aplicações complexas como pontes, oráculos ou rollups — sem intervenção no consenso do protocolo. Continua, no entanto, numa fase experimental e ainda não foi implementado em larga escala.

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